segunda-feira, 10 de junho de 2019

A Carta de Mestre João Faras

Ligação do ANTT



Transcrição da WikiSource:

Senhor: O bacharel mestre João, físico e cirurgião de Vossa Alteza, beijo vossas reais mãos. Senhor: porque, de tudo o cá passado, largamente escreveram a Vossa Alteza, assim Aires Correia como todos os outros, somente escreverei sobre dois pontos. Senhor: ontem, segunda-feira, que foram 27 de abril, descemos em terra, eu e o piloto do capitão-mor e o piloto de Sancho de Tovar; tomamos a altura do sol ao meio-dia e achamos 56 graus, e a sombra era setentrional, pelo que, segundo as regras do astrolábio, julgamos estar afastados da equinocial por 17°, e ter por conseguinte a altura do pólo antártico em 17°, segundo é manifesto na esfera. E isto é quanto a um dos pontos, pelo que saberá Vossa Alteza que todos os pilotos vão tanto adiante de mim, que Pero Escolar vai adiante 150 léguas, e outros mais, e outros menos, mas quem diz a verdade não se pode certificar até que em boa hora cheguemos ao cabo de Boa Esperança e ali saberemos quem vai mais certo, se eles com a carta, ou eu com a carta e o astrolábio. Quanto, Senhor, ao sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra; mas aquele mapamúndi não certifica se esta terra é habitada ou não; é mapa dos antigos e ali achará Vossa Alteza escrita também a Mina. Ontem quase entendemos por acenos que esta era ilha, e que eram quatro, e que doutra ilha vêm aqui almadias a pelejar com eles e os levam cativos.
Quanto, Senhor, ao outro ponto, saberá Vossa Alteza que, acerca das estrelas, eu tenho trabalhado o que tenho podido, mas não muito, por causa de uma perna que tenho muito mal, que de uma coçadura se me fez uma chaga maior que a palma da mão; e também por causa de este navio ser muito pequeno e estar muitocarregado, que não há lugar para coisa nenhuma. Somente mando a Vossa Alteza como estão situadas as estrelas do (sul), mas em que grau está cada uma não o pude saber, antes me parece ser impossível, no mar, tomar-se altura de nenhuma estrela, porque eu trabalhei muito nisso e, por pouco que o navio balance, se erram quatro ou cinco graus, de modo que se não pode fazer, senão em terra. E quase outro tanto digo das tábuas da Índia, que se não podem tomar com elas senão com muitíssimo trabalho, que, se Vossa Alteza soubesse como desconcertavam todos nas polegadas, 2riria disto mais que do astrolábio; porque desde Lisboa até às Canáriasdesconcertavam uns dos outros em muitas polegadas, que uns diziam, mais que outros, três e quatro polegadas, e outro tanto desde as Canárias até às ilhas de Cabo Verde, e isto, tendo todos cuidados que o tomar fosse a uma mesma hora; de modo que mais julgavam quantas polegadas eram, pela quantidade do caminho que lhes parecia terem andado, que não o caminho pelas polegadas. Tornando, Senhor, ao propósito, estas Guardas nunca se escondem, antes sempre andam ao derredor sobre o horizonte, e ainda estou em dúvida que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o pólo antártico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes quase como as do Carro; e a estrela do pólo antártico, ou Sul, é pequena como a da Norte e muito clara, e a estrela que está em cima de toda a Cruz é muito pequena.
Não quero alargar mais, para não importunar a Vossa Alteza, salvo que ficorogando a Nosso Senhor Jesus Cristo que a vida e estado de Vossa Alteza acrescente como Vossa Alteza deseja. Feita em Vera Cruz no primeiro de maio de 1500. Para o mar, melhor é dirigir-se pela altura do sol, que não por nenhuma estrela; e melhor com astrolábio, que não com quadrante nem com outro nenhum instrumento. Do criado de Vossa Alteza e vosso leal servidor.
Johannes
artium et medicine bachalarius


Carta de Mestre João a D. Manuel I sobre o Cruzeiro do Sul. 1 de Maio de 1500 

Portugal, Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte III, mç. 2, n.º 2

(Subscrito:)
A el-rei nosso senhor

No verso:
De mestre João que vai a Calecut 

Senhor: porque de tudo o cá passado largamente escreveram a vossa alteza, assim Aires Correa como todos os outros, somente escreverei (sobre) dois pontos.Senhor: ontem, segunda-feira, que foram27 de Abril, descemos em terra, eu, e o piloto do capitão-mor e o piloto de Sancho de Tovar e tomámos a altura do sol ao meio-dia e achámos 56 graus, e a sombra era setentrional, pelo qual, segundo as regras do astrolábio, julgamos ser afastados da equinocial por 17 graus e por conseguinte ter a altura do Polo Antárctico em 17 graus, segundo é manifesto na esfera. E isto é quanto a um (dos pontos), pelo qual saberá vossa alteza que todos os pilotos, vão adiante de mim em tanto, que Pêro Escolar vai adiante150 léguas, e outros mais, e outros menos, pero quem disse a verdade não se pode certificar, até que em boa hora cheguemos ao cabo de Boa Esperança e ali saberemos quem vai mais certo: eles com a carta, ou eu com a carta e com o astrolábio.Quanto, senhor, ao sítio desta terra mande vossa alteza trazer um mapa-múndi que tem Pêro Vaz Bisagudo e por aí poderá ver vossa alteza o sítio desta terra; porém aquele mapa-múndi não certifica esta terra ser habitada ou não; é mapa-múndi antigo e ali achará vossa alteza escrita também a Mina.Ontem quase entendemos por acenos que esta era ilha, e que eram quatro, e que de outra ilha vêm aqui almadias a pelejar com eles e os levam cativos.Quanto, senhor, ao outro ponto, saberá vossa alteza, que acerca das estrelas, eu tenho trabalhado algo do que pude sobre isso, pero não muito, por causa de uma perna que tenho mui má, que de uma coçadura se me fez uma chaga maior que a palma da mão; e também por causa de este navio ser muito pequeno e mui carregado, que não há lugar pera cousa nenhuma. 

Somente mando a vossa alteza como estão situadas as estrelas dele. Pero em que grau está cada uma, não o pude saber, antes me parece ser impossível no mar tomar-se altura de nenhuma estrela, porque eu trabalhei muito nisso e, por pouco que o navio balance, se erram quatro ou cinco graus, de guisa que se não pode fazer senão em terra. E outro tanto quase digo das tábuas da Índia, que se não podem tomar com elas senão com muitíssimo trabalho, que, se vossa alteza soubesse como desconcertavamtodos nas polegadas, riria disso mais que do astrolábio, porque desde Lisboa, até às Canárias uns dos outros desconcertavam em muitas polegadas, que uns diziam, mais que outros, três e quatro polegadas, e outro tanto desde as Canárias até às ilhas de CaboVerde, e isto resguardando todos que o tomar fosse a uma mesma hora, de guisa que mais julgavam quantas polegadas eram pela quantidade do caminho que lhes parecia que haviam andado, que não o caminho pelas polegadas Tornando, senhor, ao propósito, estas Guardas nunca seescondem, antes sempre andam em derredor sobre o horizonte, e ainda isto duvidoso, que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o Pólo Antárctico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes, quase como as do Carro; e a estrela do Pólo Antárctico, o Sul, é pequena como a do Norte e mui clara, e a estrela que está em riba de toda a Cruz é muito pequena.

Não quero mais alargar, por não importunar a vossa alteza, salvo que fico rogando a Nosso Senhor Jesu Cristo a vida e estado de vossa alteza acrescente como vossa alteza deseja.

Feita em Vera Cruz, o primeiro de Maio de (1)500.

Pera o mar, melhor é reger-se pela altura do sol, que não por nenhuma estrela, e melhor com astrolábio, que não com quadrante, nem com outro nenhum instrumento. 


Do criado de vossa alteza e vosso leal servidor 
João
Bacharel em Artes e Medicina. 

sábado, 1 de junho de 2019

"Vai para o Diabo que te carregue. Quem te trouxe cá?"

"Também a leste havia havia novidades. A descoberta de Colombo estimulara os Portugueses. Sob o comando de um capitão de trinta anos, Vasco da Gama, Lisboa armava três caravelas que, dobrando o cabo da Boa Esperança e levados pela monção do sudoeste, chegavam a Calecute a 20 de Maio de 1498. 

Vasco da Gama fundeava a meia légua da margem e enviava a terra um marinheiro que os habitantes levaram a dois árabes de Tunes que falavam castelhano. As primeiras palavras deles foram: "Vai para o Diabo que te carregue. Quem te trouxe cá?" 

O príncipe de Calecute acolheu friamente os recém-chegados. Vasco da Gama conseguiu, no entanto, partir sem embarços com uma carta deste príncipe para o rei de Portugal. "No meu país", dizia ele, "há muita canela, muito cravo-da-Índia, gengibre e pimenta, pedras preciosas, e o que eu pretendo do teu país é ouro, prata, coral, e pano escarlate." Pedia ouro. Era o cúmulo. 
 
A volta foi demorada e penosa. Vasco da Gama perdeu um navio e dois terços dos seus homens. Mas a sua chegada a Lisboa foi triunfal e ele recebeu o título de almirante do mar das Índias. A expedição custara duzentos mil ducados - a venda das especiarias trazidas rendeu um milhão (1499).

Os Portugueses tinham encontrado o caminho da Índia, e tinham intenção de se assegurar do monopólio do comércio do oceano Índico, mesmo que fosse pelo terror. 

Vasco da Gama partiu de novo em 1502, encontrou em frente de Calcute uma frota árabe carregada de arroz; mandou cortar o nariz, as orelhas e as mãos às tripulações - oitocentos homens - pela dupla qualidade de concorrentes e de infiéis. Depois abandonou-os nos navios em chamas. O confisco pelos Portugueses do comércio indiano arruinava os negócios árabes, comprometia os interesses do sultão do Egipto e de Veneza. Do que resultou uma coligação que há de conhecer alguns sucessos provisórios, os quais bastarão para fazer cair Vasco da Gama em desfavor.

Depois, os Portugueses recomeçarão o seu avanço para a Índia, para a Ínsulindia, para a China,..."


in Histoire du Monde, Le Feu de Dieu [Jean Duché, 1960]





Livraria de António Barbosa


António Barbosa - Biblioteca Matemática - Universidade de Coimbra


António Barbosa (1892-1946), natural de Póvoa de Rio de Moinhos, distrito de Castelo Branco, foi historiador dos descobrimentos portugueses. A sua obra mais conhecida tem por título «Novos subsídios para a históriada ciência náutica portuguesada época dos descobrimentos», Porto: Instituto para a Alta Cultura, 1948, sendo uma reedição dum trabalho homónimo primeiramente publicado por volta de 1939. António Barbosa licenciou-se em Ciências Matemáticas e frequentou a Escola Normal Superior de Coimbra nos anos lectivos de 1922-23 e 1923-24, onde foi aluno de Luciano Pereira da Silva (1864-1926), à época director desta Escola. Mais tarde António Barbosa será professor e reitor do Liceu Alexandre Herculano do Porto e membro da Academia Portuguesa da História. A livraria de António Barbosa foi adquirida aos herdeiros deste pela Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra em 1949, sendo os contornos da sua aquisição relatados na sessão do Conselho da Faculdade de Ciências de 13.10.1948. Em meados de Agosto de 1949, João Pereira Dias(1894-1960), à época director da Faculdade de Ciências e da Biblioteca Matemática, deslocar-se-ia ao Porto a fim de examinar a livraria com vista à sua possível incorporação na Biblioteca Matemática. A livraria de António Barbosa faz parte de um núcleo biblio-gráfico importante da Biblioteca Matemática sobre cartografia antiga e história da náutica na época dos descobrimentos, que tem por base a livraria de Luciano Pereira da Silva que é incorporada na Biblioteca Matemática em 1929.



Espólio bibliográfico de Armando Cortesão


Armando Cortesão - Biblioteca  Matemática - Universidade de Coimbra


Tendo por base a livraria de Luciano Pereira da Silva (1864-1926, professor da Faculdade de Matemática, e após 1911, da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, formar-se-ia na Biblioteca Matemática um importante núcleo bibliográfico sobre história da náutica e cartografia antiga. Ao espólio de Luciano Pereira da Silva, incorporado na Biblioteca Matemática em 1929, vir-se-iam a juntar, em finais dos anos quarenta, o espólio do historiador António Barbosa (1892-1946), e, mais tarde, o legado de Armando Cortesão (1891-1977), estudioso da história da cartografia antiga e dos descobrimentos, que a partir do início de 1961 ficaria a dirigir a secção de Coimbrado Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, e a quem o Conselho da Faculdade de Ciências votaria, em sessão de 28 de Fevereiro de 1961, a concessão do grau de doutor honoris causa. Logo em 1961 Armando Cortesão doa à Faculdade de Ciências a sua livraria, parte da qual dá nessa altura entrada na Biblioteca Matemática. A listagem disponibilizada em Abril de 2017 incluiu as monografias, publicações periódicas e material cartográfico pertencentes ao acervo doado por Armando Cortesão. Em Junho de 2018 esta listagem foi completada com os demais títulos e artigos dessa documentação, assim como com os títulos da colecção de separatas e opúsculos pertencentes à mesma doação.